segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Pesquisa mostra que esmola financia o uso de drogas das crianças de rua

Em um grande mutirão nacional, 565 crianças foram ouvidas em 10 capitais, no mais profundo retrato sobre meninos de rua já feito no país.

Quantas são? Quem são? Por que elas abandonaram a casa, a família? Você também já se fez essas perguntas diante de uma criança de rua. O assunto é comovente, importante e tema da reportagem especial de Marcelo Canellas.
Acho que viver na rua é você sentir na pele que você não tem mais nada, que você tá no fundo do poço.
Não há uma única grande cidade brasileira que não conviva com essa vergonha.
Saem das suas comunidades e vêm refugiar-se nesse grande campo de refugiados aqui que é o centro de São Paulo.
“Por isso que a gente considera que eles são refugiados urbanos”, explica Lucas Carvalho, psicólogo do projeto Quixote.
Crianças ainda, ou mal saídos da infância, e já sem esperança alguma.
Fantástico: Que que cê acha que vai tá fazendo com 18 anos?
Jovem: Com 18 ainda é de menor ou maior?
Fantástico: Se fizer 18 já é maior. Até 18 é menor.
Jovem: Vai pro presídio.
Fantástico: presídio? Você acha que vai pra lá?
Jovem: Vai, tio. Ó, ou vai para o presídio ou morre!
Por que eles estão na rua?
Fantástico: Você tá com 14 anos, né? Com quantos anos você saiu a primeira vez de casa?
Jovem: Com nove, dez, por aí.
Fantástico: Você lembra como é que foi esse dia?
Jovem: Eu fugi.
Quantos são? Quem são? O que querem?
Fantástico: Você não quer ficar na rua, quer?
Jovem: Não! Quero parar, quero mudar minha vida.
A ONU já falou em cinco milhões. O IBGE nunca contou. O fato é o que o número de meninos e meninas de rua ainda é um grande mistério.
“Nós não sabemos quantas crianças, quem são elas, onde estão”, afirma Manoel Torquato, coordernador da campanha ‘Criança não é de rua’.
Em 2011, o governo pagou R$ 1,5 milhão para um instituto de pesquisa contá-los.
Mas no Maranhão, por exemplo, só acharam 23 meninos. E o número apurado no Brasil inteiro, 23.973, caiu em descrédito.
Fantástico: Não adianta um pesquisador chegar com uma prancheta na mão e fazer perguntas convencionais pra uma criança de rua?
“Não adianta. Os educadores sociais, os técnicos, as equipes que acompanham esses garotos e essas garotas, esses sim conseguem se aproximar”, responde Manoel.
O projeto ‘Criança não é de rua’ preferiu uma pesquisa qualitativa, por amostragem, feita justamente por educadores. Num grande mutirão nacional, 565 crianças foram ouvidas em 10 capitais, no mais profundo retrato sobre meninos de rua já feito no país.
A plataforma digital rua Brasil sem número, validada pela Universidade Federal do Ceará, descobriu que 87 % das crianças e adolescentes de rua são negros ou pardos. E 77% são do sexo masculino.
Quem está na rua, deixa de ir à escola. 11% são analfabetos e 47% não completaram o quinto ano do Ensino Fundamental.
Fantástico: Você sabe ler?
Criança: Não.
Fantástico: Sabe escrever?
Criança: Não.
Fantástico: Você tem documento?
Criança: Não. Vou tirar ainda.
Qual o motivo de ir para a rua?
Seis por cento dizem que é a violência doméstica. 9,8% fogem da miséria. 23% relatam conflitos na família. E 37% são atraídos pelas drogas. As drogas também são o principal motivo da permanência nas ruas para 54% dos meninos. Depois vem os conflitos na família: 18%.
Criança: Uso só quando eu tenho dinheiro. Quando eu não tenho eu não uso não.
Fantástico: E você consegue o dinheiro aonde?
Criança: Ah, eu peço aos outros.
A pesquisa confirma: 53% dos meninos conseguem dinheiro pedindo esmolas. 11%, vendendo mercadorias no sinal.
O que significa que a esmola financia o uso de drogas, pois 63% dos meninos gastam o dinheiro em bocas de fumo. E só 22% comprando comida. Mas a grande surpresa da pesquisa rompe um preconceito.
“A população em geral acredita que esses meninos ou são órfãos, ou foram abandonados pelos pais, ou têm situações graves de violência praticada no contexto familiar. Na verdade são conflitos apenas. Existe uma família ali”, afirma Manoel.
Só 8% são órfãos. 92% têm família. E 77% consideram a mãe a pessoa que mais amam.
Depois vem a avó, com 10% e o pai, com 7%.
Esse dado objetivo mostra claramente a importância da família. Ao contrário do que se pensava, nem todo menino sem casa é um menino sem lar. Existe alguém esperando por ele, existe alguém procurando por ele. Existem laços de afeto que nem a violência, nem a miséria e nem o desinteresse dos políticos conseguem romper.
“Quando eu acordo com o coração muito aflito, que é quando eu levanto e não falo pra ninguém aonde eu vou. Eu saio em busca dele”, conta a mãe de um jovem.
Dez, doze horas por dia, zanzando por São Paulo.
Fantástico: Onde que você procura?
Mãe: Na cracolândia, no meio dos viciados.
Fantástico: Você encontra ele ali?
Mãe: Às vezes, sim.


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